"No início, eu arrancava a linha da minha roupa para fazer meu bordado. A cada dia meus trabalhos ficavam mais bonitos e a cada dia minhas roupas ficavam menores. Por isso, costuro principalmente em azul. Azul não é a cor de minha expressão. Azul é a cor das calças e da roupa de cama dadas aos pacientes. internos. malucos. prisioneiros na Colônia Juliano Moreira, e era a única linha que eu tinha antes que eles começassem a chamar a minha organização do mundo de "arte" e as pessoas começassem a me trazer sucata e outros itens de utilidade. Às vezes eu costurava tanto, as ideias vindo tão rápido, que no fim sobrava apenas uma manga de camisa. Eu a usava lá fora, para perambular com os outros pacientes nus, que arrancavam as roupas porque pensavam que fossem camisas-de-força .abelhas. zumbindo. fogo. Levava horas até o pessoal vir me apanhar. Levaram anos para perceber que eu andava nu somente por necessidade do meu trabalho, que se eu tivesse materiais amplos e apropriados, de boa vontade conservaria minhas roupas de cama. Aqueles foram os dias mais lindos, escondido atrás das plantas abandonadas do jardim, deitado com pedrinhas colocadas ao redor da minha cabeça como auréola, no pátio não varrido com o calor do sol do Rio no meu pênis e na minha barriga".
(Arthur Bispo do Rosário)
:::
A loucura (ou seria o excesso de realidade?) marcou a coleção de Francisco Matias no Dragão Fashion, em que o sertão ganha ares de urbe cosmopolita em uma visita autoral à vida e à mente de Arthur Bispo do Rosário. Máscaras trançadas, com longos punhos, pareciam representar a linha tênue entre a sanidade e a loucura e traziam um elemento de desconforto que tornou a coleção ainda mais interessante.
Os complexos bordados tecidos pelo dito esquizofrênico paranóide e a sua obsessão pela organização perfeita de elementos ao longo da superfície de seu trabalho transformaram-se em vestidos e blusas de drapeados arquitetônicos e trançados. A estamparia mantém a pegada artística e adiciona ares descolados do grafite a maxi t-shirts com ombros marcados (novamente uma tendência toureador se faz presente, com os punhos acentuando os ombros).
O modo de vida do sertanejo, lembranças de Bispo do Rosário do seu Sergipe natal, transparece nítido nas cores, principalmente tons terrosos (indícios da areia do sertão e do barro que mancha as vestes do trabalhador que lavra a terra) e nos acessórios, bolsões semelhantes aos usados pelos cangaceiros e saltos altíssimos e poderosos, os quais recordavam os tamancos das avós-sinhás que habitavam os casarões patriarcais do passado. Os vestidos foram um destaque na coleção, rasgados, desestruturados ou com ombros bem marcados (notaram as mangas super bufantes? Mark Greiner também teve na sua coleção.), em uma coleção que pode ser definida, em termos bem rasos, cangaço meets punk.
A contemporaneidade do estilo de Francisco Matias, sempre atual, garante com que a sua coleção, de inspiração bem brasileira e folclórica, não caia na pecha do "exótico" ou do "nordestino" e mantenha a funcionalidade de suas peças.
Fotos: Nathiara Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário