sexta-feira, 30 de abril de 2010

DFB 2010 - Walério Araújo

O clássico Mágico de Oz ganhou ares debochados e sensuais no desfile de Walério Araújo, em que os personagens do livro (e filme) infantil serviram de inspiração para as criações do estilista.
Em uma passarela movida por uma playlist nascida para tocar na boate, os elementos mais icônicos da obra desfilaram em releituras cheias de sensualidade. As principais tendências do universo fashion também estiveram presentes no desfile, devidamente representadas por cada personagem.
O fetichismo teve destaque com a Bruxa Má do Oeste, em looks All Black e em espartilhos para homens e mulheres; o futurismo aparece com o Homem de Lata e sua armadura metalizada, rica em detalhes e em sobreposições; O jardim inebriante de papoulas responde, de maneira sexy, às tendências das estampas florais e das transparências (que apareceu, ou melhor, desapareceu, em muitas costas nuas nas peças); Glinda, a Bruxa Boa do Norte, ganha ares “orGAGAsmásticos” com uma roupa justíssima, em que os brilhos remetem à tendência disco glam e a jaula que a rodeava, ao futurismo e às silhuetas estruturadas; o Leão Covarde aparece em tons terrosos e com aplicações peludas em detalhes das peças (o retorno da fur, para desespero das instituições protetoras dos animais, foi percebida em alguns desfiles internacionais, sempre aplicada em detalhes dos punhos das mangas ou em golas. Não curto essa onda, mas, se for sintético, pode se dar uma chance). Até o arco-íris surgiu, em um vestido com babados em degradê super colorido.
Destaque visual para os calçados, masculinos e femininos, um espetáculo à parte. Enquanto the girls desfilaram com saltos que tinham a sola e o salto fundidos (que parecia uma mistura dos sapatos da coleção Fall 2009 da Nina Ricci e da Fall/Winter 2009 da Acne ) em cores que recordavam desde o icônico sapatinho de rubi ao arco-íris, the boys mostraram sapatos Oxford metalizados peep-toe.O hair também se fez notar na passarela com uma versão comportada do corte que a Alice Dellal vem relançando já faz um bom tempo (e que também já foi visto em passarelas passadas.). E, por fim, alguém percebeu que um lance Laços Gigantes vem se formando? Francisco Matias também se jogou nessa onda. E o resultado ficou bem legal em ambos.
Pra finalizar, o fim (do desfile). Redundante eu sei, mas é preciso ressaltar a presença de Walério ao final da apresentação de suas coleções, o único designer cuja entrada na passarela é tão esperada quanto a dos modelos. A dancinha com a Barbara Berger foi divertida e bonitinha, mas queria uma sambada enlouquecida, à la Mestre-Sala e Porta-Bandeira. Talvez tenha sido o “Over The Rainbow” que amoleceu o designer no fim.. ok, maybe next DFB.
Fotos: Fernando Sant'Anna

DFB 2010 - Tarcísio Almeida

Em um desfile altamente performático, que aproximou a passarela de uma intervenção teatral, o estilista baiano apresentou suas peças de maneira hipnótica e fascinante.
Tais quais esculturas clássicas da Grécia Antiga, as modelos pairavam, estáticas, no meio do palco, em uma subversão do ser/estar do modelo em um desfile (o modelo não é mero cabide da roupa. Ele é ator, que cria um personagem cujas ações refletem a imagética que o designer busca em sua coleção, e é escritor, produz uma narração de silêncio que se comunica com a percepção das pessoas que ao desfile assistem. Ajuda a gerar múltiplos significados para a roupa apresentada, que não é mais matéria, mas uma ideia lançada pelo seu criador.).
Marcadas pelo minimalismo e pela androginia, as peças exalavam suavidade em transparências (tendência máxima desse inverno "revelador".). A grama na gola das roupas causava estranhamento, porém, completava o ideal de mulher-vaso que parecia estar se formando.
As nervuras, em vestidos bem amplos e semelhantes a túnicas, pareciam raízes a se disseminar no tecido, envolvendo cortes desestruturados nos vestidos e nos casacos clean. As leggings seguiam as cores dos itens e adicionavam ao quesito “sobreposição”, uma presença constante nos desfiles do DFB 2010.
Os tons de pele eram dominantes, mas o branco e o preto também se fizeram notar, sendo o vermelho um fator de contraste, presente nos sapatos Oxford (outro elemento que intensificou o clima andrógino e remeteu ao estilo básico das mulheres nos Anos 90 e, não sei o porquê, às campanhas publicitárias da Ralph Lauren na mesma década.). O degradê (tendência presente em outras coleções, como Mark Greiner e Iury Costa) do branco ao vermelho em sapatos, leggings e casacos adicionou cor aos matizes, por demais neutros, da coleção.

terça-feira, 27 de abril de 2010

DFB 2010 - Francisco Matias

"No início, eu arrancava a linha da minha roupa para fazer meu bordado. A cada dia meus trabalhos ficavam mais bonitos e a cada dia minhas roupas ficavam menores. Por isso, costuro principalmente em azul. Azul não é a cor de minha expressão. Azul é a cor das calças e da roupa de cama dadas aos pacientes. internos. malucos. prisioneiros na Colônia Juliano Moreira, e era a única linha que eu tinha antes que eles começassem a chamar a minha organização do mundo de "arte" e as pessoas começassem a me trazer sucata e outros itens de utilidade. Às vezes eu costurava tanto, as ideias vindo tão rápido, que no fim sobrava apenas uma manga de camisa. Eu a usava lá fora, para perambular com os outros pacientes nus, que arrancavam as roupas porque pensavam que fossem camisas-de-força .abelhas. zumbindo. fogo. Levava horas até o pessoal vir me apanhar. Levaram anos para perceber que eu andava nu somente por necessidade do meu trabalho, que se eu tivesse materiais amplos e apropriados, de boa vontade conservaria minhas roupas de cama. Aqueles foram os dias mais lindos, escondido atrás das plantas abandonadas do jardim, deitado com pedrinhas colocadas ao redor da minha cabeça como auréola, no pátio não varrido com o calor do sol do Rio no meu pênis e na minha barriga".
(Arthur Bispo do Rosário)
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A loucura (ou seria o excesso de realidade?) marcou a coleção de Francisco Matias no Dragão Fashion, em que o sertão ganha ares de urbe cosmopolita em uma visita autoral à vida e à mente de Arthur Bispo do Rosário. Máscaras trançadas, com longos punhos, pareciam representar a linha tênue entre a sanidade e a loucura e traziam um elemento de desconforto que tornou a coleção ainda mais interessante.
Os complexos bordados tecidos pelo dito esquizofrênico paranóide e a sua obsessão pela organização perfeita de elementos ao longo da superfície de seu trabalho transformaram-se em vestidos e blusas de drapeados arquitetônicos e trançados. A estamparia mantém a pegada artística e adiciona ares descolados do grafite a maxi t-shirts com ombros marcados (novamente uma tendência toureador se faz presente, com os punhos acentuando os ombros).
O modo de vida do sertanejo, lembranças de Bispo do Rosário do seu Sergipe natal, transparece nítido nas cores, principalmente tons terrosos (indícios da areia do sertão e do barro que mancha as vestes do trabalhador que lavra a terra) e nos acessórios, bolsões semelhantes aos usados pelos cangaceiros e saltos altíssimos e poderosos, os quais recordavam os tamancos das avós-sinhás que habitavam os casarões patriarcais do passado. Os vestidos foram um destaque na coleção, rasgados, desestruturados ou com ombros bem marcados (notaram as mangas super bufantes? Mark Greiner também teve na sua coleção.), em uma coleção que pode ser definida, em termos bem rasos, cangaço meets punk.
A contemporaneidade do estilo de Francisco Matias, sempre atual, garante com que a sua coleção, de inspiração bem brasileira e folclórica, não caia na pecha do "exótico" ou do "nordestino" e mantenha a funcionalidade de suas peças.
Fotos: Nathiara Paulo

DFB 2010 - Mark Greiner

Mulher-Paisagem (adoro esse conceito do estilista) e Lady Gaga encontram-se em uma festa. As duas estão embriagadas e misturam suas roupas no banheiro. Roteiro bizarro, mas é dele que parece ter surgido a nova coleção de Mark Greiner.
Brincadeiras à parte, saiba só de uma coisa a respeito da coleção: é incrível. O estilista sabe criar o clima de seu desfile, revestindo-o de uma aura de peça teatral ou de performance artística. A representação antes do desfile, com a colocação de luzes no cenário, insinuava que, a partir daquele momento, seria presenciada a formação de uma história, ausente de palavras, mas rica em imagens. Pena que o primeiro dia não teve muito espaço para a criação de uma atmosfera mais envolvente nos espaços das coleções (recordando agora Alexander Mcqueen e seu último desfile-espetáculo e Jum Nakao e a Costura do Invisível). Alguém já percebeu que os desfiles estão cada vez mais "práticos", "minimalistas", "funcionais" e menos "incríveis", "de cair o queixo", "impressionantes"? whatever.
Embaladas pelo barulho estremecido de tambores de um mantra indiano, mulheres-pássaro, mulheres-armadura, mulheres-natureza surgem na passarela, suas formas extravagantes são um espetáculo à parte. De repente, um ecossistema de brilhos e de estilos se formou na passarela em que essas espécies estupefaram a todos com vestidos justíssimos em degradê, com silhuetas super estruturadas (aqui pudemos sentir a influência de algumas coleções internacionais passadas, como a da Balmain) e transparências (por sinal, a tendência mais observada no primeiro dia, presente em quase todas as coleções). Armaduras cintilantes formavam verdadeiras carapaças de artrópodes, protegendo essa mulher guerreira do tempo e tornando-a eterna, como o mundo. As coroas tornavam as modelos rainhas indígenas de povos protegidos pelo mistério do mundo de que apenas eles têm ciência. Tantas referências podiam ser observadas que não é possível classificar a coleção em étnica, apesar de haver elementos de diversas culturas colocados nas vestimentas, ou em futurista, apesar das formas exageradas, retas e arquitetônicas.
A formação de arquiteto de Mark Greiner mais uma vez mostra seu grande valor, gerando verdadeiras esculturas móveis em que o surrealismo se concretiza em realidade e extravasa nossas sensações humanas. Não se está discutindo aqui se é uma coleção usável ou não, principalmente porque ela não é, e porque esse não é o objetivo do designer, mas como a capacidade de um criador pode chegar a níveis que transcendem o limite dos meros "regionalidade" ou "exotismo", criando uma coleção cosmopolita e ausente de fronteiras criativas.
Fotos: Nathiara Paulo